Vida sem room service
Em vários registos estilísticos controlados com mão de mestre, Ali Smith conta-nos da dor, da tristeza e da esperança, num romance nostálgico a cinco vozes. Hotel Mundo confirma o talento literário desta original escritora britânica.

O romance está dividido em seis partes, cujos títulos nos remetem para diferentes tempos narrativos: «Passado», «Presente Histórico». «Condicional Futuro», «Perfeito», «Futuro no Passado» e Presente». Cada uma delas, à excepção da última, dá voz a uma das cinco personagens, todas femininas: o já referido fantasma de Sara, Else (uma pedinte sem abrigo, presumivelmente tubercolosa, que se senta no exterior do Hotel Global), Lise (a empregada da recepção, que sofre de uma estranha doença e que oferece um quarto a Else), Penny (a jornalista antipática), e a irmã de Sara, a morta. O hotel funciona no romance não apenas como cenário e «motivo», mas como o lugar aglutinador de que dependem as várias vidas narradas; são todas, de alguma maneira (e aqui o bizarro acidente do elevador é o «estribilho»), vidas em «queda», gente prestes a fazer o check out (nem o fantasma consegue escapar).
O que fascina em Hotel Mundo – para além da peculiaridade das histórias contadas e da sua extraordinária carga de afectos muito «à flor da pele» –, é a desenvoltura narrativa e a segurança de Ali Smith. Em registos estilísticos diferentes (por vezes a fazer lembrar Beckett), consegue controlar o ritmo da história sem nunca «perder a mão», sem se deixar levar em tentadores e fáceis «efeitos pirotécnicos». Ali Smith é, sem dúvida, uma das mais talentosas e originais escritoras britânicas. José Riço Direitinho
Revista Ler, Julho de 2008