terça-feira, 8 de julho de 2008

Crítica de imprensa:

Vida sem room service

Em vários registos estilísticos controlados com mão de mestre, Ali Smith conta-nos da dor, da tristeza e da esperança, num romance nostálgico a cinco vozes. Hotel Mundo confirma o talento literário desta original escritora britânica.

«Aaaa-aaaah que queda que voo que descida que corrida para as trevas para a luz que mergulho que deslize baque choque que tombo que […].» Assim começa o romance Hotel Mundo, de Ali Smith (Inverness, 1962). É o fantasma de Sara Wilby, uma empregada de hotel de 19 anos de idade, recentemente falecida num estranho acidente, que assim nos narra o angustiante momento da sua morte. Sara, na sua segunda noite de trabalho no Hotel Global, numa brincadeira aparentemente inocente, apostou cinco libras em como se conseguiria introduzir num elevador para pratos. O cabo de suspensão partiu-se, e Sara, já dentro da caixa metálica, caiu quatro andares até à cave, pelo fosso do monta-pratos. Este é o capítulo mais nostálgico de todo o livro e, provavelmente, o mais conseguido (rivalizando com o último). O fantasma, prestes a despedir-se deste mundo (esta é a sua última noite), começa a ter saudades de tudo, até da dor: «Sentir uma pedra a chocalhar dentro do sapato enquanto ando, uma pedra pequena e pontiaguda, que se espete em diferentes partes da planta do meu pé e me provoque uma dor agradável.»
O romance está dividido em seis partes, cujos títulos nos remetem para diferentes tempos narrativos: «Passado», «Presente Histórico». «Condicional Futuro», «Perfeito», «Futuro no Passado» e Presente». Cada uma delas, à excepção da última, dá voz a uma das cinco personagens, todas femininas: o já referido fantasma de Sara, Else (uma pedinte sem abrigo, presumivelmente tubercolosa, que se senta no exterior do Hotel Global), Lise (a empregada da recepção, que sofre de uma estranha doença e que oferece um quarto a Else), Penny (a jornalista antipática), e a irmã de Sara, a morta. O hotel funciona no romance não apenas como cenário e «motivo», mas como o lugar aglutinador de que dependem as várias vidas narradas; são todas, de alguma maneira (e aqui o bizarro acidente do elevador é o «estribilho»), vidas em «queda», gente prestes a fazer o check out (nem o fantasma consegue escapar).
O que fascina em Hotel Mundo – para além da peculiaridade das histórias contadas e da sua extraordinária carga de afectos muito «à flor da pele» –, é a desenvoltura narrativa e a segurança de Ali Smith. Em registos estilísticos diferentes (por vezes a fazer lembrar Beckett), consegue controlar o ritmo da história sem nunca «perder a mão», sem se deixar levar em tentadores e fáceis «efeitos pirotécnicos». Ali Smith é, sem dúvida, uma das mais talentosas e originais escritoras britânicas. José Riço Direitinho

Revista Ler, Julho de 2008

1 comentário:

Anónimo disse...

Bom dia,

Achei fascinante e divertido "o messias dos judeus".
Para quando a tradução para português de outros livros do mesmo autor noemadamente "o refugiado"?